Rosa Weber defende imprensa independente como pressuposto para garantir democracia
A presidente do CNJ fez a abertura do seminário sobre liberdade de imprensa.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber, destacou, nesta segunda-feira (25/9), o papel da imprensa e do jornalismo independente, livre e profissional para a democracia. “A liberdade de imprensa constitui pressuposto basilar da democracia. O jornalismo independente, livre e profissional é o maior e o melhor aliado no combate à desinformação, ao discurso de ódio e à intolerância”, afirmou, na abertura do seminário “Liberdade de Imprensa: onde estamos, para onde vamos”, promovido pelo CNJ.
O evento realizado na sede do órgão, em Brasília, debateu temas como censura prévia, litigância predatória, punibilidade dos ataques a jornalistas e desinformação. Rosa Weber ponderou que, nos últimos anos, a sociedade tem se confrontado, no espaço público global de comunicação, com uma avalanche de desinformação e de incitação ao ódio contra os profissionais do jornalismo. De acordo com o relatório Monitoramento de Ataques a Jornalistas no Brasil (ABRAJI), lançado em março de 2023, foram registrados 557 casos de agressões a jornalistas no Brasil no ano de 2022. “Na linha de frente contra a desinformação, a imprensa e os profissionais do jornalismo são alvos constantes da rede de ódio no Brasil”, acrescentou Rosa Weber.
Para a ministra, houve uma ocupação do espaço democrático por agentes da desinformação, “determinados a manipular o pensamento individual e coletivo de modo a desacreditar as instituições políticas, fomentar a discórdia, incitar a violência e instigar todas as formas de discriminação social”. “Compreender os mecanismos pelos quais a disseminação de desinformação opera, explorando preconceitos e vieses presentes na sociedade, é um fator central para a elaboração de uma estratégia de combate eficiente”, completou Rosa Weber.
A presidente do CNJ destacou ainda que, em uma democracia constitucional, não se pode ter como lícito ameaçar, tramar, incitar ou cometer atos de violência, ou induzir tais atos, e “quem assim procede se expõe à justa e legítima repressão do Estado, que age em nome da sociedade”. A ministra ressaltou não haver respostas simples para enfrentar a escala, o alcance e a frequência da propagação de desinformação nas redes de comunicação, sendo esse “um dos grandes desafios das democracias modernas, especialmente nos países ameaçados pela ascensão dos discursos autoritários e pelo pensamento fundamentalista”.
Imprensa e Judiciário
Coordenador do Fórum Nacional sobre Liberdade de Imprensa do CNJ, o conselheiro Mauro Martins ponderou que a liberdade de atuação da imprensa ainda não foi plenamente assimilada pelo Poder Judiciário, o que se verifica pelas inúmeras reclamações que chegam ao STF, para corrigir decisões judiciais sobre o tema. “A interdição judicial imposta a jornalistas e a empresas de comunicação social, impedindo-os de noticiar ou veicular dados relativos a práticas ilícitas ocorridas nos meios governamentais, não importando a posição hierárquica dos agentes públicos envolvidos, configura clara transgressão ao comando emergente da Constituição da República, que consagra, em plenitude, a liberdade de imprensa”, disse, ao citar a Carta Magna de 1988, que vedou qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística.
O conselheiro afirmou que a liberdade de imprensa, como projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se, entre outras prerrogativas, do direito de buscar a informação, do direito de opinar e do direito de criticar, além do próprio direito de informar. “No exercício da jurisdição, não se pode converter em prática judicial inibitória, muito menos censória, a liberdade de expressão e de comunicação, sob pena desse poder agir como uma inaceitável censura estatal”, acrescentou.
Em 2009, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130, o Plenário do STF estabeleceu parâmetros amplos de orientação quanto ao conteúdo e a extensão das liberdades de expressão e de imprensa, assegurando a livre circulação de diferentes ideias, opiniões e pontos de vista. “A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo”, lembrou Martins em referência ao voto do ministro Ayres Britto no julgamento da ADPF 130.
Pesquisa
A palestra magna do seminário foi proferida pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. Ele apresentou um histórico relativo ao direito de manifestação do pensamento e ao desenvolvimento da mídia e de seus impactos na sociedade e no Judiciário. O ministro citou vários especialistas e casos ocorridos ao longo da história, entre eles o Watergate, em que foi discutida a questão da violação da privacidade, mas cujas investigações feitas pela imprensa propiciaram à sociedade americana saber que o presidente, à época, Richard Nixon, estava envolvido com ações ilegais contrárias ao Partido Democrata.
“Vivemos a revolução dos algoritmos, que vivem para juntar pessoas que pensam da mesma forma e criar os chamados filtros-bolha. Esses algoritmos podem gerar responsabilidade civil, assim como atos discriminatórios”, disse Salomão, que reforçou o reconhecimento de que não existe democracia sem um Judiciário forte e independente e uma imprensa livre. “O tempo da imprensa é diferente do tempo do juiz. A apuração da verdade tem um tempo para imprensa e outro para o juiz. […] São lados diferentes, mas da mesma moeda, e ambos indispensáveis à democracia”, defendeu o corregedor.
Ele adiantou respostas de um levantamento em produção pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), entre outros parceiros, sobre moderação de conteúdo nas plataformas e decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nessa temática. O universo da pesquisa, ainda inconclusa, abrange processos de 2016 a 2023. Dos 60 recursos especiais analisados, a maioria envolve a plataforma Google (35) e Facebook (14). Os fundamentos mais pedidos foram indenização por dano à imagem (63%), discurso de ódio (15%), pornografia de vingança (13%) e direito autoral (4,3%).
Cerca de 63% das decisões estipularam uma obrigação de fazer, como, por exemplo, a determinação de retirada prévia do conteúdo ou sua desindexação. No entanto, mesmo quando acionada, a plataforma só faz a retirada do conteúdo após determinação judicial específica. “Eles não fazem o dever de casa e 82% não fazem a retirada prévia do conteúdo. É preciso a gente trabalhar isso”, disse.
Os dispositivos legais mais citados nas decisões do STJ são artigos 19, 20, 21 e 22 do Marco Civil da Internet, que tratam da responsabilidade por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Os conselheiros Vieira de Mello Filho, Marcello Terto e Marcos Vinícius Rodrigues e o ex-conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga, representando o Tribunal Superior do Trabalho (TST), também estiveram na abertura do seminário.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias